30 de setembro de 2016

Matadouro de unicórnios. Juscelino Neco (Veneta)

Este novo projecto de Juscelino Neco partilha muitos elementos comuns com o seu anterior Parafusos,zumbis e monstros do espaço, na medida em que a acção se desenvolve em torno de princípios de abandono em episódios de uma grande violência física, mortandade e cinismo, mas de tal forma exagerado que não é propriamente o terror o efeito que se desenvolve no leitor. Todavia, estamos algo afastados da leveza e humor desse outro livro, encontrando-se em Matadouro de unicórnios um tom mais grave. Não nos enganemos, o cinismo está lá, e em grande medida todo o livro é uma espécie de gozo directo com várias modas e tendências de alguma cultura popular, mas ao mesmo tempo busca-se seriedade nesse tratamento. (Mais) 

27 de setembro de 2016

Afrodite, quadrinhos eróticos. Alice Ruiz, Paulo Leminski et al. (Veneta)

Esta é uma antologia de várias histórias curtas que foram criadas ao longo dos últimos anos da década de 1970, no Brasil, numa série de revistas mais ou menos irmanadas num mesmo selo editorial (a Grafipar, de Curitiba), e que haviam sido criadas por ímpeto e trabalho da dupla de argumentistas que se encontram na capa. Quer Ruiz e Leminski são respeitáveis escritores, poetas e agentes da cena intelectual brasileira do tempo da ditadura e, como oficiais da palavra, lavraram-na para as mais diversas disciplinas. Ora, é no seio da vida diária e alimentícia, digamos assim, que Ruiz se viu envolvida em algumas das novas revistas que pretendiam abrir novos caminhos feministas por entre as publicações da época. Por instância do autor Cláudio Seto, ogrande “samurai” dos quadrinhos brasileiros, Ruiz começou a escrever roteiros (eróticos e de terror para diversos projectos) para pequenas bandas desenhadas, sendo seguida pelo seu companheiro e vida e letras, Leminski, nessa tarefa. (Mais) 

16 de setembro de 2016

Ye. Guilherme Petreca (Veneta).

Este parece ser o maior livro do autor, terceiro a solo. Ye é um volume que quer abraçar de forma directa e concisa um género determinado, que englobará a fantasia, a aventura clássica (no sentido de movimento do herói), todo um percorrer por paisagens mais ou menos familiares por territórios consabidos da banda desenhada, a fábula antiga e, quem sabe, um entendimento contemporâneo de que não é sempre necessária a maior gravidade para conseguir tecer uma narrativa com um contorno de grande lição a um público mais jovem. Apesar da sua leveza, mesmo no sentido de Italo Calvino, no sentido em que opõe ao peso da vida a possibilidade de reflectir através de elementos oníricos e imaginativos, Ye é um livro que dispõe das suas estratégias expressivas da forma mais determinada e pensada possível. (Mais) 

14 de setembro de 2016

Carolina. Sirlene Barbosa e João Pinheiro (Veneta)

Este livro não tem como seus autores somente a investigadora e argumentista Barbosa e o artista Pinheiro. Sendo um livro que coloca a vida e a obra da escritora Carolina Maria de Jesus na superfície de um novo papel, conta em primeiro lugar com a autoria dela mesma, mas também de todos os factores que foram necessários para que a sua obra se formasse e ganhasse corpo público, sobretudo com o seu primeiro livro, Quarto de despejo, lançado em 1960 com projecção e sucesso nacional e, depois, internacional. A um só tempo biografia, exploração das condições de produção e auscultação da literatura de Carolina, o livro em si é uma pesquisa, (re)descoberta e interrogação, assim como uma possibilidade de colocar novas perguntas no tempo presente. (Mais) 

9 de setembro de 2016

Sequência mínima: exposição de Filipe Abranches (e texto)

É amanhã a vernissage de uma exposição de desenhos de Filipe Abranches, todos eles provenientes de projectos de banda desenhada, alguns deles "completos", outros "fatiados" de algo maior. 

Fomos convidados a escrever um texto que acompanhasse essa exposição, apanhado quase superficial de algumas reflexões debatidas e partilhadas com o autor, de quem somos colegas enquanto docentes e parceiros em projectos criativos, e que de certa forma teriam levado à selecção e baptismo desta mostra. 

Apresentamo-lo aqui, com algumas alterações de pouca monta, apenas com o intuito de prendre date, uma vez que não terá o valor que poderia ter caso fosse reforçado com os instrumentos de maior precisão académica que estão ausentes. (Mais)

8 de setembro de 2016

Hinário Nacional. Marcello Quintanilha (Veneta)

Os leitores de Tungsténio e de Talco de Vidro encontrarão neste novo pequeno volume um exercício de contenção em termos de diegese, mas não de intensidade. Os anteriores livros estariam próximos do género literário da novela, ou do romance até, sobretudo pela sofisticação e complexa rede que estabeleciam entre as linhas temporais e a as percepções, sensações e vida íntima das personagens. Hinário Nacional apresenta seis histórias, quase todas curtas (apenas uma passando largamente das 20 páginas), logo, necessariamente reduzidas em termos de eventos relatados, número de personagens, intervalo temporal, espaços, etc. Mas nada disso significa que muitas das outras características que tornam o trabalho de Quintanilha intenso estejam ausentes. Aliás, há antes uma espécie de transformação maximal dessas mesmas características em tão curtas histórias. (Mais)

2 de setembro de 2016

Topografias. AAVV (Piqui)

Se há pouco mencionámos, de passagem, a discussão desencadeada pela ausência de mais nomes femininos da antologia de banda desenhada contemporânea brasileira, eis uma publicação, já deste ano, que demonstra a capacidade organizativa de um colectivo feminino. É verdade que se se tratasse de uma publicação em que todos os autores fossem homens, à partida tratar-se-ia desse título tão-somente como tal, e não pautado por quaisquer características que se soltassem do seu sexo (a menos que mergulhassem de forma directa e sublinhada dessa mesma circunstância). O mesmo não ocorre de forma gratuita ou forçada com publicações “de mulheres”, mas a verdade é que aqueles títulos caracterizados por essa circunstância as mais das vezes demonstram elementos que se revelam claros nas suas intenções de identidade sexual, política e de diferenciação contra uma certa visão hegemónica e normativa. Se nos recordarmos de algumas experiências portuguesas, desde Weavers of Speech a Rata, encontraremos experiências análogas em que a oportunidade de publicar em ensemble leva a que se sublinhem essas tais características, mas sem jamais as arvorar de forma reificadora ou absoluta. Haverá outros momentos de junção de autoras de banda desenhada, mas onde essas características não ganham essa proeminência, como é o caso de Allgirlz ou QDCA, o que bem ao contrário de um problema é uma conquista. (Mais)