12 de dezembro de 2015

Blog bd - Sous l'eau-Sous la terre/O professor Astrogato nas fronteiras do espaço. Dominic Walliman e Ben Newman/Aleksandra Mizielinska e Daniel Mizielinski (Rue du Monde/Mini Orfeu)

Estes dois imensos livros fazem remontar os seus princípios à famosa noção de Cícero, na busca de discursos de perfeição em que a tarefa da instrução se articule da forma mais entrelaçada com os movimentos do deleite. Isto é, estimulando o entendimento cognitivo sobre uma área qualquer de conhecimentos, procura-se ao mesmo tempo que haja um decisivo estímulo dos sentidos e de inclinar os afectos. (Mais) 

Sous l’eau/Sous la terre é um livro biface, apresentando de um lado tudo o que é relativo ao que está sob a superfície da terra, precisamente, e do outro, das águas. O livro tem um formato “normal”, mas deve ser folheado de forma a que a espinha fique na horizontal e em cima, ou seja, o folhear do livro é feito não da esquerda para a direita, mas de cima para baixo, como se se imitasse, conforme o lado, uma descida pelas camadas da terra ou uma descida pelos abismos dos oceanos.  

Os autores são conhecidos sobretudo pelo livro anterior que fizeram dedicados a mapas temáticos de umas dezenas de países, mas aqui o tema é mais cerrado, a informação menos generalista e/ou simbólica, mas antes detalhada, mesmo que haja um desdobramento em várias frentes. Por exemplo, na parte da água, não são apenas os animais que habitam os oceanos, sejam peixes, mamíferos ou outros, inclusive aquelas estranhas criaturas do fundo do mar. Há também partes dedicadas à evolução dos submarinos e dos escafandros, questões sobre a composição das águas e o comportamento da gravidade nelas, os mergulhos mais famosos e o que se passa num recife de coral, o TItanic e as Marianas. Do lado da terra, visitamos desde as criaturas mais pequenas aos mamíferos maiores que fazem tocas complexas. Mas estudam-se também raízes, tubérculos, minerais, assim como grutas naturais, artificiais e vestígios fósseis de criaturas do passado. De uma forma divertida, e como não poderia deixar de ser, as duas partes do livro encontram-se no centro a terra, onde não descansa o seu núcleo.

O desenho não é particularmente genial e pormenorizado, mas antes abonecado, descontraído e esquemático, recordando todavia  algumas abordagens felizes na identificação fácil e rápida dos seus objectos. Alguns dos capítulos, porém, são mais elaborados, como as cenas nos corais, cuja coloração é faustosa. Os textos são na maior parte das vezes sumários e concentrados, mais convidando a uma consulta rápida e um entendimento simples. As capas, por sua vez, mesmo na sua qualidade algo tosca, podem recordar os volumes luxuosos da Hetzel do final do século XIX (Verne, etc.), de uma forma desviada, com os seus títulos textuais no centro e depois rodeados de figuras temáticas, e em cores matizadas.

Astrogato tem um formato igualmente grande, ainda que num formato mais normalizado, com um enorme quadrado. Uma vez que é escrito por um físico, a informação é mais elaborada, fidedigna e não se coíbe de abordar pontos mais ou menos complexos. Aqui há mesmo um convite a ler cada quadro como parte de uma argumentação maior, e cada nova informação vai encaixar-se num entendimento maior mais à frente. É este livro que fala de “factóides” no fim, mas a verdade é que todos os factos têm uma integração maior entre si do que no caso anterior. Temos os suspeitos do costume, com a formação do Universo e a vida das estrelas, a descrição do sistema solar, os seus planetas individuais e as estrelas visíveis, assim como alguma história da exploração conseguida até à data pela sociedade humana, como as viagens até à Lua, ou a Estação Espacial Internacional. Depois seguem-se algumas partes mais especulativas (e divertidas, mas inteligentes) como a de pensar que tipo de vida diferente existira noutros planetas ou como sustentar a vida em planetas inóspitos.

O arranjo das páginas é fantástico, com uma distribuição de figuras, informação visual e texto muito equilibrada. As cores, vivas mas sem ser garridas, pintadas como se se usasse   difuso, e balançadas em contrastes elegantes, tornam a leitura (no seu sentido holístico, visual) um acto de grande fluidez e calma, o que serve de bálsamo à quantidade de informação teórica a ser alimentada. As figuras inclinam-se a recordar as grandes estilizações típicas dos anos 1950-60, levando a uma legibilidade imediata (mesmo que haja algumas criaturas, como os tardígrados, estranhamente representadas).

Ambos os livros tiram partido de composições de página variados, como convém a uma enciclopédia visual. Conforme as necessidades, as imagens podem procurar uma maior compartimentação, em secções ou caixas inseridas, ou uma subdivisão de um mesmo espaço em áreas ou pelo menos ocupado por vários elementos, objectos e intervenientes. O de Astrogato é aquele que mais segue a lógica da divisão compartimentada, ao passo que o dos Mizielinski opta antes por paisagens habitadas.

De uma maneira ou outra, são livro cuja linguagem é extremamente acessível (passando o idioma, claro) a leitores em idade escolar e que se comecem a preocupar com “porquês” e sobretudo “comos” mais complexos e dirigidos. Além do mais, seja pelos traços mais descontraídos de Aleksandra Mizielinska ou a abordagem mais precisa de Bem Newman, mas acima de tudo pela elegância do conjunto melífluo, são ambos belíssimos objectos, que certamente servirão para aprender muita coisa, e não apenas da matéria debatida.
Nota fina : agradecimentos aos Castro-Duarte, pela oferta de Sous… e à Orfeu pela de Astrogato.

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