10 de agosto de 2015

Kovra no. 6. AAVV (Ediciones Valientes)

Ao contrário de uma ideia sobretudo alimentada pela edição mainstream, ou pelo menos convencional, a circulação de autores em palcos internacionais não tem necessariamente de passar pela edição de um livro inteiro numa língua estrangeira. É óbvio que esse tipo de circulação leva imediatamente a uma maior exposição e recepção, resultado natural do volume de impressão, os pontos de venda e a atenção mais categorizada da esmagadora maioria dos canais de divulgação, também eles necessariamente balizados por princípios de normalização. Todavia, se a atenção abarcar outro tipo de objectos, descobriremos formas alternativas de diálogo e de presença em palcos internacionais. (Mais) 

As antologias publicadas por plataformas internacionais têm sido uma constante desde a emergência desta “cena” nos anos 1990 um pouco por toda a Europa. Para além daquelas forças de países mais “centrais”, como L'Association, a Amok, a Frigidaire, etc., também os países mais periféricos, com a Stripburek, a Kuti Kuti, a Ś!, e de onde Portugal, graças sobretudo à Chili Com Carne, não se alheia, constroem essa linha de produção e diálogo no campo da banda desenhada. As Ediciones Valientes têm na sua Kovra uma espécie de montra de nomes que compõem esse “campo internacional”, e que não se subsume somente a criadores europeus, uma vez que temos aqui peças de autores brasileiros como Pedro Franz e Diego Gerlach, e argentinos como Berliac. Recentemente, Amanda Baeza tem encontrado vazão internacional do seu trabalho, como a luxuosa antologia em serigrafia Lagon Revue (de que temos a esperança de poder vir a falar), a plataforma italiana Studio Pilar (talvez uma nova nota amanhã), projectos da editora Kus, e ainda outras promessas que serão garante de uma maior visibilidade ainda. Desta feita, encontramos na Kovra, de novo, a peça que havia sido criada para um número da The Lisbon StudioMag, cujo argumento foi escrito por nós.

Na companhia de Baeza encontraremos outros autores que pertencem a esta tendência contemporânea que tem merecido o nome de art comics, de que já falámos anteriormente. Figuras ultra-estilizadas e pequenas histórias relativamente experimentais mas que mantém uma qualquer ideia fantasmática de narrativa, como são os casos do francês Léo Quievreux, ou dos espanhóis Carlos T González Boy e Santi Z. Encontraremos aqui também nomes mais familiares, ou que já visitámos anteriormente, como os já citados Pedro Franz, Diego Gerlach e Berliac, mas também Igor Haufbauer e Ulli Lust [v. última imagem]. O ou os artistas que assinam como No Tan Parecidos participam com uma história curta, poética [segunda prancha, em baixo], que se instala nesse outro campo partilhado por Franz e Berliac, se bem que este último crie uma história que parece servir de pastiche (mas sem sarcasmo, antes com justeza e rigor) de alguma da gekigá clássica dos anos 1960 [v. imagem deste parágrafo].

Para além desses campos mais ou menos expectáveis e familiares, e como é costume também nestas antologias onde a cultura se herdou desde os tempos do punk, a sua ética DIY e a iconoclastia, também encontraremos muitos desenhos ou bandas desenhadas que se arriscam ainda no território do escatológico, da ultra-violência, de toda aquela existência melancólica ou mesmo apática dos jovens sub-urbanos pós-ideológicos. É discutível se a eficiência desse tipo de humor é real, ou se na verdade revela apenas uma espécie de facilidade na criação de discursos cuja transgressão já está normalizada, mas mesmo assim haverá decerto qualidades redentoras na história mais alargada de Martín López Lam (Espanha), nas paisagens rugosas de Stark Attila (Hungria) e na estranha fantasia de Carles G.O.'D. (também Espanha). Todavia, nalguns dos outros casos fica sempre a ideia da inconsequência da “destruição”, uma vez que nada havia de início sequer construído, e há a sensação de que o esforço de desmontagem teria encontrado outros caminhos mais fortes. É possível, ainda assim, que seja apenas uma leitura falhada da nossa parte, não encontrando as razões certas desses gestos.

O objecto em si é bastante curioso, com soluções simples mas elegantes que enriquecem o projecto geral. Contém uma cinta que, desdobrada, se revela como um poster, ainda contém um outro poster integrado, impresso de ambos os lados, e com um caderninho com as traduções de algumas histórias onde necessário – uma vez que, como tantas outras publicações portuguesas, espanholas, finlandesas, italianas, alemãs, etc. - providencia sempre o acesso em inglês, adicionalmente às línguas “originais” (neste caso, o espanhol). Impresso a preto, a complementação de papel rosa no início e no fim, a própria capa e os outros suplementos a cores baças, do rosa a um verde acastanhado, traz uma espécie de aura a um só tempo luminosa e lúgubre, bastante apropriada às famílias gráficas no seu interior.

Nota final: agradecimentos aos editores e a Amanda Baeza, pela oferta do volume.  

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