10 de dezembro de 2014

Que luz estarias a ler? João Pedro Mésseder e Ana Biscaia (Xerefé Edições)

Serve o presente recado para dar conta da edição de um pequeno livro, fruto de vários factores convergentes. Ana Biscaia sentiu-se movida com as imagens de uma rapariga tentando salvar livros, possivelmente da sua escola, na faixa de Gaza, quando dos bombardeamentos israelitas do conflito do verão de 2014. Criou assim um ciclo de imagens que partilhavam essas, digamos, preocupação, solidariedade, e princípio de resposta. (Mais)

Essas imagens constituiriam três páginas duplas e serviriam o papel da contribuição de Biscaia para Quadradinhos, a antologia de banda desenhada portuguesa publicada a propósito do festival de Treviso deste ano. A autora convida então o escritor portuense João Pedro Mésseder a fornecer-lhe as palavras que “ilustrassem” as imagens, e nasce assim “Books & War”, publicado originalmente numa tradução italiana. Para esta edição em português, auto-editada, a artista reviu a paginação, a distribuição do texto, a cor, e acrescenta ainda algumas ilustrações adicionais, assim como toda (e mais) a informação indicada atrás.  

É verdade que isolarmos uma imagem de um evento de uma complexidade temível, e que face à qual qualquer afirmação rápida se pode tornar numa escorregadela em direcção a ideias insustentáveis, não é a melhor forma de se pensar um conflito bélico desta natureza. Todavia, será que “pensar” é a melhor forma de responder a tamanha acção? Poder-se-iam esgrimir argumentos e dar passos continuamente atrás na história, para “justificar” certas acções. Soberania nacional, direito à defesa, autonomia, pressão internacional. Questões territoriais, políticas, culturais, religiosas e financeiras. Questões de redes de apoio. Questões de representação, princípios ideológicos e crenças, algumas das quais raiando aqueles princípios a que se podem chamar de “preconceitos”.

Uma famosa imagem da 2º Guerra Mundial mostra alguns homens no interior de uma biblioteca (a Holland House Library, para ser exacto) depois desta ter sido bombardeada pelos alemães. É possível que a imagem tenha sido encenada pelo fotógrafo anónimo, para “manter a moral”, mas acreditamos que estas imagens correspondem a uma genuína preocupação da criança. É conhecido também o livro On Reading de André Kertész, que reúne imagens dos mais diversos leitores, de várias idades, classes sociais, momentos históricos, circunstâncias, mas todos entregues a esse acto de amor aos livros. O que todas estas imagens provocam, no fundo, é uma espécie de sentimento de comunidade entre todos os leitores e espectadores destas imagens, os retratados e os que olham os retratos, recordando aquela ideia de Kant de que a única comunidade possível é a estética.

O texto de Mésseder fala de uma menina chamada Aysha que pensa sobre Kalil, e os livros que este gostava de ler, e o que a leitura significa para ambos, e o que eles ainda podem significar para ele, que morreu, e ela, que sobrevive. Os livros surgem então assim como formas não apenas de sobrevivência face à mais cruel das mortandades, mas como símbolo igualmente de resistência dessa mesma vida. Pelo simples acto de fazer essa escolha.

Há um breve perigo em que eleger o acto da leitura possa ser entendido como um atalho para a simpatia, uma simpatia intelectual e especificada. Não merecerá a nossa inclinação e preocupação também todo e qualquer cidadão apanhado em conflitos no qual não tem responsabilidade ou que ultrapassa o limiar (virtual, expectável, compreensível, impossível, estúpido?) da “aceitabilidade da guerra”. Desde o analfabeto ao velho desdentado, do trabalhador não-combatente à dona de casa mis alheia à esfera do político? Haverá de facto algum privilégio no “leitor”? Possivelmente não, mas essa dimensão adicional não deve ser vista, de forma alguma, como uma espécie de superioridade intrínseca em relação a outras pessoas, mas sim apenas como o tal sinal de comunidade prometida.

Este brevíssimo livro, é então, um modo de iluminar essa forma de construção.
Nota final : agradecimentos à autora, pela oferta do livro. 

1 comentário:

Porta do Sol disse...

Bom dia,

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Muito grata o meu contato é sandracanelas@gmail.com