11 de abril de 2012

Portraying 9/11. AAVV. (McFarland)

É muito possível que a próxima frase possa ser entendida como de alguma presunção, e não o negaremos, mas baseia-se em contactos esporádicos que vão acontecendo. Esperamos que os leitores do lerbd, sobretudo aqueles com paciência para lerem e irem acompanhando as apresentações sobre livros académicos sobre banda desenhada, não pensem que esgotamos aquilo que vai sendo produzido nesse âmbito. Como já o dissemos antes, é humanamente impossível dar conta de toda a produção académica que tem surgindo nos últimos anos e que debata a banda desenhada e/ou territórios contíguos, uma vez que essa produção é cada vez maior, mais diversificada e com contornos cada vez mais especializados, sendo difícil também a própria compreensão do alcance de cada gesto. As mais das vezes, a nossa atenção concentra-se em volumes em papel, e acabamos por negligenciar papers que saem singularmente em publicações académica - por hipótese, de estudos teatrais, literatura comparada, cinema, geopolítica, etc. -, ou publicações online, ou discussões muito sérias e balizadas em blogs e sites, etc. (Mais)

Esta breve nota serve para dar conta desta pequena colecção de ensaios dedicada à representação do “11 de Setembro”, entendido como um evento que, apesar de estar mais imediatamente relacionado com a posição geo-estratégica dos Estados Unidos enquanto “império” económico-militar (mais o segundo pólo, neste momento), e as implicações imediatas com os seus “inimigos” e “aliados” e outras forças mais ambíguas, não podemos negar que as suas repercussões se estenderam para além da esfera doméstica ou dos palcos de guerra. É isso o que permite Joanne Faulkner descrever esse evento como algo que “abriu uma ruptura na consciência ocidental, cuja reparação não parece estar ainda ao nosso alcance” (apud introdução, pg. 8; sublinhados no original). Tratando-se de um evento localizado, a sua dimensão globalizada é imediata, tornando-se num “intertexto” cultural poderoso e em contínua expansão, na expressão de David Holloway (apud idem, 3).
Assim sendo, não é surpresa alguma que tenha emergido todo um campo de produção literária, mas também teatral, cinematográfica e de banda desenhada, a que se pode dar o nome de “literatura do 11 de Setembro” ou, como já é costume grafar de modo telegráfico, “9/11”, campo esse que “implica muitas permutações e continua a expandir-se” (introd., 4). E as respostas continuam, como a recente antologia 12 Septembre, l'Amérique d'après, da Casterman.

É assim, então, que Portraying 9/11. Essays on Representations in Comics, Literature, Film and Theatre, editado por Véronique Bragard, Christophe Dony e Warren Rosenberg, contribui para a avaliação contínua dessas respostas aquele evento. O primeiro aspecto que nos parece importante referir, para o nosso campo, é o facto desta colecção contar com três, de entre onze artigos, dedicado ao campo dos “comics”, ainda que de forma limitada, como veremos. Mas é mesmo a sua primeira secção, de três, e os três editores dão início à sua argumentação, na introdução, a partir de um exemplo de banda desenhada (“11 septembre”, integrado em Une Vie Silencieuse, de Frédéric Debomy e Louis Joos). Esta editora tem mostrado grande abertura a colecções de estudos em torno da banda desenhada, e isso não é de somenos importância para compreender a sua política editorial, e que nos parece estar relacionada sobretudo com projectos europeus de conferências, encontros, grupos de estudo, etc. O aspecto fulcral é que a banda desenhada, neste contexto preciso, está num mesmo plano de cidadania textual que as outras áreas abordadas (com livros de Don DeLillo, Ian McEwan, William Gibson, David Foster Wallace, filmes de Oliver Stone, Paul Greengrass, Christopher Nolan, e peças de Anne Nelson).

A secção de cinema tem um ensaio que toca as raias da área de banda desenhada, com um ensaio de Dan Hassler-Forest - um nome seguramente a seguir no futuro nesta área de estudos - sobre dois filmes de super-heróis, Batman Begins, de Nolan, e Superman Returns, de Bryan Singer. Estes filmes são escrutinados de modo a ir para além da valorização ou crítica da matéria de adaptação, para encontrar a forma como ressoam tensões do momento: ambos “demonstram atitudes ambivalentes em relação a, por um lado, o desejo de retirada para um passado romantizado, e por outro, a vontade em compreender como responder a e criar sentido a partir dos eventos traumáticos contemporâneos” (145).

Todos estes autores tentam cumprir aquilo que parece ser um dictum de Marita Sturken, em Tourists of History, a “de reduzir complexidades políticas a noções simplificadas de tragédia” (apud Timothy Krause, pg. 15). Não sendo possível nem pertinente discutir o modo como a noção de “trauma” pode ou deve ser aplicada em relação ao 9/11 - isto é, tentando que se reifique a experiência norte-americana, ou até nova-iorquina, em algo transmissível de forma universal - os textos estudados nesta antologia respondem às “tensões comemorativas que o 9/11 cria, e [os artistas] articulam-nas ao longo de modelos binários tais como antes e depois, trauma e memória individuais e colectivos, realidade e (o) espectáculo (dos meios de comunicação social)” (introd., 5).

Um senão dos objectos escolhidos prender-se-á com o facto de todos eles estarem relacionados com um território da banda desenhada mais ou menos circunscrito - a banda desenhada de super-heróis - fazendo perigosamente confluir, mais uma vez, a mistura entre um género e o meio todo. Mais, ao se sublinhar a proeminência de textos que poderão ser considerados de cultura popular, há uma adicional confusão que pode ser improdutiva, mesmo tendo em conta uma lição de E. P. Thompson, de que “tal como todos os textos da cultura popular, então como hoje, não é fácil decidirmo-nos se esses textos apresentados revelam os pensamentos dos seus leitores” (“Which Britons?”, 1994).

Vejamos, porém, que textos são esses então (ater-nos-emos à secção “Comics”). Em primeiro lugar, e tendo em conta as “afinidades gráficas e composicionais” com a banda desenhada, o primeiro artigo, de Timothy Krause, dedica-se na verdade às capas da The New Yorker criadas após o 11 de Setembro, por artistas tais como Art Spiegelman, Carter Goodrich, Peter De Sève, Maira Kalman e Edward Sorel, entre outros. Capas, sendo imagens singulares, apresentam uma iconicidade mais simbólica que narrativa, mas isso não significa que não possa responder de uma maneira aguda em relação a representações ou a modos de reacção quer individuais quer colectivos. Nem todos os autores estudados atingem o mesmo grau de inteligência ou pertinência, mas o estudo revela ambas as coisas, ao tentar auscultar “um estudo da comunidade, da identidade e da memória mais consciente e dialéctico” (18).

Matthew J. Costello, em “Spandex Agonistes”, faz um largo estudo da banda desenhada de super-heróis e a forma como se relacionaram com a política da “War on Terror”. De uma forma significativa, apesar do ensaísta debater sobretudo obras pós-9/11, como Ex Machina, The Authority: Coup d’État, o arco Civil War da Marvel, a história “The Harvest” de Action Comics (Superman) e “The Best Defense” de The Invicible Iron Man, etc., ele começa por uma discussão mais alargada historicamente, chegando mesmo a recordar o episódio em que Steve Rogers havia abandonado a persona do Capitão América em nome do Nomad, para dar a entender uma certa progressão desta banda desenhada na forma como respondiam à hegemonia política de Washington, afastando-se significativamente daquele tipo de propaganda mais típica dos anos 1940. Quer dizer, revela como estas obras também lidaram com “o conflito sobre o significado dos ataques do 9/11” (31). “com menos apoio à ‘história oficial’ e uma maior vontade em desafiar as acções que se seguiram ao evento” (32).

Finalmente, um estudo de Stephan Packard exclusivamente abordando Civil War - para aqueles que não estão familiarizados, um “arco narrativo” de 2006-2007 que envolveu todas as personagens do universo Marvel num conflito de absoluta divisão entre super-heróis a favor de um registo e controlo governamental das suas acções, facção liderada pelo Homem de Ferro, e outros a favor de uma independência total, surpreendentemente representados pelo Capitão América, que assim se tornava “traidor” e que teria repercussões na economia diegética dessa companhia - consegue, se não alterar a valorização que, pessoalmente, damos a essa história em particular, e à forma como era gerida, pelo menos despertar elementos de claro interesse de estudo político, de representações, de ecos sociais, que o tornam um instrumento caro a estudos similares. Revelando-a como “uma alegoria politicamente ambivalente” (55), Packard evita pelo menos uma imediata, e quase epidérmica, recusa de leitura e avaliação dessa história sob esse foco disciplinar.
Podemos mesmo dizer que toda a antologia é um instrumento útil a quem abordar questões desta natureza nos variadíssimos cursos e seminários ou encontros em que esta matéria possa surgir. Na verdade, confessemos que pessoalmente, este livro foi utilizado de maneira directa num estudo que estamos a desenvolver em torno da “banda desenhada pós-9/11”: no entanto, precisamente procurando formas de entender em que medida é que existem trabalhos que não respondem à hegemonia das representações e das tensões desencadeadas por esse evento político, focarmo-nos-emos em textos que entendemos ser de resistência ou “contranarrativas” a essa “insegurança”, como por exemplo Viva la Vida! de Baudoin e Troub’s.
Nota: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.

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