25 de abril de 2010

Sex Tape. Thomas Cadène (Casterman)

De estilo muito aparentado com autores tais como Bastien Vivès, Philippe Paringaux, Frantz Duchazeau (e a raiz em Sfar), Thomas Cadène, pela própria matéria temática do livro, entra por alguns territórios contíguos à banda desenhada e ilustração, sobretudo a de moda, como se vê pela primeira imagem escolhida deste livro.
Este é um livro que explora, como força contextual, um tema quase absolutamente contemporâneo, em torno da cultura pop, sobretudo na sua vertente da cantora adolescente do super-pop (Britney Spears, Miley Cyrus) com um pouco de celebridades apanhadas pelo glamour da fama instantânea, sem esforço e depois emasculada pelo próprio monstro que a criara antes (Paris Hilton, Lindsay Lohan), sobretudo se houver uma “sex tape” à mistura. Digo quase absolutamente contemporânea, pois não chega ao ponto da hipérbole de auto-ficção alucinada da pop como o epifenómeno de Lady Gaga, zénite de muitas das experiências tentadas mas não conquistadas pelas estrelas do século XX. Tal como Bloody September, este livro explora aquilo que se poderia chamar de “cultura universal”, que não é mais do que um nome eufemístico para a hegemonia da cultura popular norte-americana impondo-se globalmente através da música, dos filmes, de novas estratégias globalizantes (youtube, etc.) e até da língua (os títulos).
Mas esse é o seu “fundo” de onde emerge uma das personagens principais, Anja, uma ex-estrela pop que vive agora num retiro, uma casa de luxo algures nas escarpas montanhosas da Suíça, e a rede de relações que lança naquele lugar, especialmente com um jovem mirone, Will, proprietário de um bar local, – mas não paparazzi, o que é importante – que a espia, passa-a a espiar a pedido delas mesma, deixa-se espiar, e se dá início a uma relação desequilibrada de jogos ópticos de vigilância e voyeurismo, exibição e um desejo protelado e não-dito, o que quer dizer o mesmo que mal-dito (a mesma construção presidia a um livro anterior, Regards Croisés). A tensão sexual está desde logo presente, mas não tem a ver com a sensualidade directa, da parte dela, nem tem a ver com amor, da parte dele.
No entanto, esta descrição não dá conta do carácter polifónico deste conto, nem da espécie de trama policial que se constitui. A narrativa começa pela focalização de uma jornalista, que entrevista o antigo guarda-costas, e depois a governanta, à procura de saber o que se passou com Anja na altura desse retiro, e antes do seu glorioso e transformativo comeback. Depois seguimos as inquirições de um inpsector da polícia, que interroga uma namorada e um amigo de Will, para descobrir “o que se passou” (um “crime” de que apenas mais tarde aprenderemos). À medida que cada um desses interlocutores e pseudo-narradores ou criadores da narrativaa, a entrevistadora e o inspector, auscultam as memórias das outras personagens, ganhamos acesso não somente a elas mesmo, mas ainda a desdobramentos que seriam impossíveis de pertencer a essas personagens: a perspectiva de Will sobre a sua vida e o que observa de Anja, as relações e analepses de Anja e o que ela observa de Will. Ambas as observações de um pelo outro, Will na câmara fotográfica sobre o salão de Anja, Anja pela câmara instalada no televisor na sala de Will, não têm captação de som. Este facto implica dois jogos interessantes, um narrativo – somos obrigados a querer impor um sentido sobre o que se passa nas imagens sem as compor pelos significados verbais – e outro relativo à banda desenhada – toda ela sempre “muda”, e aqui explorando um segundo grau de sentidos. No entanto, as mais das vezes esses sentidos apenas surgem para serem mais tarde negados ou pelo menos corrigidos.
Ou seja, na verdade, apenas o leitor, tendo acesso a todos estes elementos, é que os consegue ligar, compondo a “verdade”. Esta é elusiva, inacessível, fragmentada em relação a quase todas as personagens da história e mesmo àquelas que tentam recompor a ordem dos factores, como a jornalista e o inspector. Esta estrutura coloca este livro lado a lado a, por exemplo, Le Cahier Bleu de Juillard, levantando os mesmos problemas de representação, de confiança no narrador, de agregação externa dos elementos da narrativa, etc.
Apesar de viver dependente do desenlace surpreendente, e querer “fechar” a moral, Sex Tape não deixa de levantar questões pertinentes no que diz respeito à construção do eu e do outro, quando confrontados precisamente com as expectativas próprias e alheias.
Nota: livro ofertado pela editora. Podem ainda encontrar um “bande-annonce” do livro aqui.

Sem comentários: