25 de abril de 2010

Bloody September. Will Argunas (Casterman)

Um dos artigos da Book Review do San Francisco Panorama é uma fracção de uma tese de Juliet Litman sobre os romances que já se coalescem numa categoria, senão género, a que se dá o nome de “do 9 de Setembro”. Desde o ataque às Torres Gémeas que têm surgido variadíssimas respostas de cariz criativo a esse evento, quer tomando uma posição abertamente política (e seja ela de que terreno for), quer explorando aspectos mais psicológicos ou mais sociais, quer ainda utilizando esse evento como simples contexto, procurando depois vários graus de relação com os eventos centrais dessa mesma obra. Essas respostas têm surgido em todos os campos, do cinema à literatura, e a banda desenhada não tem sido excepção, desde as antologias publicadas imediatamente a seguir que reuniam esforços para apoiar as vítimas a explorações mais pessoais, da de Spiegelman à de Alissa Torres. Litman estuda o modo como ao longo destes anos os autores de romances têm criado uma cada vez maior distância em relação ao evento, não tanto respondendo aos traumas directos e pessoais mas criando um prisma desse mesmo evento, tornando-o cada vez mais multifacetado, e que permita olhá-lo de novo de modos diferentes, que permitam repensar o que ele proporciona. Já não há uma premente preocupação em cartografar o trauma e procurar soluções, mas antes transfigurá-lo para novas dimensões: “A sobejamente conhecida mitologia do World Trade Center é agora empregue para introduzir uma discussão mais recompensadora sobre o trauma contemporâneo – um distanciamento (estrangement) para além e separado dos próprios ataques”.
É precisamente este distanciamento que está em vigor em Bloody September. Tudo aponta para que seja o 9 de Setembro de 2001 a data central, o evento mesmo, deste livro: o título, quer pelas palavras quer pelo aspecto icónico de vidro estilhaçado, a escolha do rosto de George W. Bush para a espinha do livro, mesmo tendo apenas um fugaz papel de referência na trama, as duas torres iluminadas à noite na parte inferior da imagem. Mas não o é. Aliás, o ataque às Torres Gémeas, se bem que se poste num momento dramático da trama central do livro, é apenas um catalisador da viragem da narrativa, uma parte da paisagem: significativa, influenciadora, transformadora, sem dúvida, mas parte da “paisagem social”, da “circunstância”.
Bloody September inscreve-se na linha de um policial relativamente clássico e contemporâneo. Clássico pela tensão, distribuída na atenção dada a todas as personagens por um focalizador universal: o inspector que dificilmente lida com a série de brutais assassinatos que tenta resolver, o assassino e as suas obsessões, o seu modus operandi, a forma como escolhe as presas, parte da vida de algumas dessas presas e suas relações. Contemporâneo por beber de estratégias narrativas da, sobretudo, ficção televisiva norte-americana: vários focos sobre variadas personagens, como vimos, avanço rápido por elipses temporais, acções paralelas, desvios secundários à “história” principal para desdobrar as personagens, total dependência nos diálogos para explicitação da história, acção linear ainda que “cortada”. O uso de rostos de actores famosos para algumas das personagens – o inspector tem o rosto de James Gandolfini (Tony Soprano), o seu chefe o de Clint Eastwood, o da namorada da vítima “principal” o de Gina Gershon (que fez um papel similar em Bound) – também ajuda nessa direcção interpretativa.
O final da narrativa não é, em termos morais, satisfatório. Mais, nunca é dada uma justificação para as acções do assassino. Talvez porque o autor seja inteligente o suficiente para não querer subsumir a “razão” destes assassinatos a uma chave – maus tratos em criança, um abuso sexual reprimido, uma infância ou adolescência difícil, etc. Desta forma irresolvido, o “mal” não ganha um rosto explicado verdadeiro, e dilui-se como que na natureza mesma do mundo. O inspector tenta perceber o sentido dessas acções, quando o assassino lhe escapou, literalmente, por entre os dedos. E é nesse momento, em que intenta uma justificação perante Deus (ele fala para uma das vítimas, mortas à muito, mas falar com os mortos é dirigir-se a uma ideia de Deus) que ocorrem os ataques, interrompendo esse sentido quase atingido. O que se segue é uma pouco subtil mas não pouco irónica transformação do alívio do assassino na crescente preocupação sobre outros “suspeitos”, que ainda hoje sofrerão essa consequência: os árabes, mesmo os árabes-americanos.
Bloody September não é sobre o 9/11, mas utiliza todos os discursos tecidos em seu torno para re-elaborar uma possível maneira de questionar o que vemos como “o mal”.
Nota: livro ofertado pela editora.

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