21 de janeiro de 2006

Sequential. Paul Hornschemeier (AdHouse Books)


Creio que Paul Hornschemeier é um sério concorrente na criação contemporânea da banda desenhada a ser rememorado, mais tarde, como um dos grandes da sua geração, sobretudo depois do seu Mother, Come Home e os novos títulos que já se prometem. É como se fosse possível ver no estado presente do seu trabalho, cujas curtas mas substanciais contribuições para vários títulos, como por exemplo a Mome já aqui citada, ou nos seus trabalhos do passado, em que Sequantial tem um papel preponderante, estivessem já submersos nos ecos do seu valor futuro. Nem sempre isso é óbvio, e uma tal leitura não é de todo nem positivista nem racional; entrega-se antes a uma espécie de percepção atenta a pistas que se dissipam no nevoeiro que está à frente...
Sequential trata-se de uma antologia que reune alguns dos trabalhos - sobretudo banda desenhada, mas há também textos - publicados nos sete números do fanzine do mesmo nome, iniciado em 1999 mas que veio a ser descontinuado mais tarde, por razões expressas no prólogo e nas notas de produção finais. Todo o historial está descrito exaustivamente nesses anexos ao livro. Já algumas vezes falei aqui de dois temas que me parecem estar no centro do palco ao falar deste volume de Hornschemeier: por um lado, a "liberdade intrínseca" que fundamenta a razão de ser de um fanzine, por outro, a questão da "evolução", ou falta de, no trabalho de um autor. O primeiro ponto prende-se com o facto da multiplicidade dos estilos, humores, tipos de estórias e experiências gráficas e narrativas a que o autor se entrega ao longo das suas fanzines, aqui retomadas. São raras as estórias de maior fôlego, cuja curva mais abrupta é sem dúvida a do homem-sapo que é abandonado pela companheira e que passa um dia em pensamentos sobre como lidar com a solidão (sem título). A esmagadora maioria são pequenas anedotas humorísticas ou de situações estrambólicas, muitas de apenas uma prancha, outras tantas avançando em territórios mais assertivos e políticos, mas sem nunca se assumirem totalmente como tal, outras ainda em tons mais poéticos, mas sempre com uma patina de absurdo (como as histórias do demónio). Essa liberdade é incontestável, mas por isso mesmo é possível que muitos leitores que venham a conseguir apreciar e encontrar alguma continuidade nos trabalhos mais recentes de Hornschemeier, poderão não encontrar aqui a mesma segurança, quer em termos artísticos quer de voz narrativa. Sequential é quase como que um caderno/diário - aliás, isso é dito pelo autor - onde foi experimentando todas as técnicas e saberes que foi aprendendo ao longo do tempo com a leitura e experiências de outros autores, citando-se directamente Dave Sim, do Cerebus, e Daniel Clowes. Ele acrescenta ainda, "como todas as experimentações, teve os seus resultados. Alguns desses resultados são completamente desinteressantes ou pouco produtivos ou não me levam a lado nenhum. Mas há certos momentos nestas páginas em que penso conseguir ver-me "acertar" em algumas coisas." Talvez esteja aí um possível valor na experiência de ler todo este volume, em testemunharmos essas aplicações, este longo (e provavelmente doloroso) processo estocástico e tentarmos, então, apercebermo-nos de que lhe serviu, e onde estão os êxitos que o fariam continuar.
A questão da "evolução" está nessa mesma aprendizagem, na lenta emergência de temas: como uma certa linha contemporânea, vai desembocar nas relações amorosas e nas solidões que as intervalam, em pensamentos que têm a ver com uma certa desilusão perante o futuro, a vida profissional, a vida familiar... Não propriamente um "urbano-depressivo", mas uma "bd-novela" que precisa de atravessar certos elementos-chave, habituais. A arte só falsamente parece "evoluir", mudar de campos, de técnicas. Mas no seu ruído de fundo, as alterações são poucas, ou apenas variações umas das outras, há sempre um contínuo (eterno, diria Nietzsche) retorno da brutalidade que se move sob o verniz da nossa civilização. Paul Hornschemeier parece ser um autor que dedica a sua obra precisamente a riscar esse verniz, para nos mostrar como a pele dói independentemente da cultura. Sequential foi só o aparar as unhas. Posted by Picasa

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