22 de janeiro de 2006

A fome faz sair o lobo do mato. Carlos Pinheiro (Senhorio)


Das páginas dos fanzines de "O Senhorio", e por ocasião da mostra de banda desenhada e ilustração e venda de fanzines A Mula, nos Maus Hábitos (Porto), eis que foi editado um fanzine num grande formato (A3, o que lhe permite, ainda que diferentes em termos de conteúdo, ser arrumado fisicamente junto ao Nemo no Século XXI, ao Memórias 10, e ao primeiro número da Satélite Internacional, para ficarmos por edições nacionais) de desenhos de Carlos Pinheiro.
São 17 desenhos no interior, alguns dos quais já tinham aparecido nas páginas dos fanzines "Senhorio" e outros, penso, inéditos. Tal como nos livros de André Lemos, não há propriamente aqui um pólo em torno dos quais os desenhos se agreguem, pelo que surgem em relações livres, e é o seu espectador que os poderá associar conforme entender e conseguir. Os desenhos são todos a preto e branco, com linhas bem definidas e torneadas, com um preenchimento de áreas através de pequenos riscos paralelos que fazem emergir uma textura "esferográfica"... Trabalhando a partir de referentes reais, corpos humanos, a maioria da vezes, Carlos Pinheiro fá-los desviar com um qualquer aparato absurdo - uma máscara enorme, a nudez, um indício qualquer de violência... A associação entre esses desenhos, parece-me a mim, poder passar por uma qualquer vontade em retratar a violência subliminar que atravessam todas as relações humanas, ou a animalidade a que retornamos sempre que deixamos a segurança do verniz social, etc. Mas isso são leituras bastante superficiais, e haverá seguramente alguém com maior capacidade de análise plástica para os apreciar melhor...
Mas se falo deste fanzine, que não é de banda desenhada tout court, é pelo que se segue. Aos poucos, parece-me estarmos a aproximarmo-nos de uma situação artisticamente mais compreensível e feliz para alguns artistas que trabalham a ilustração, a banda desenhada, ou trabalhos gráficos que estão próximos da narratividade sem por isso se tornarem criadores de bd. Tal como acontece com um sem-número de galerias (e museus, alguns) nos Estados Unidos da América, no Canadá, em França, e surgem nas páginas de algumas publicações dedicadas às artes visuais, esta família alargada da criação tem o seu próprio nicho no "mercado artístico", no circuito galerístico, etc. São questões que tinham sido levantadas e criticadas pela própria existência de alguns fanzines, que desejam ligações directa a esse mesmo mundo (e não outras publicações de contornos mais definidos e disciplinares, presos a um mercado da bd, preocupados - o que é perfeitamente válido! - em uma comunicação com um público amplo, com valores mais comerciais, narrativos, de heroicidade, etc.). Esses indícios são estas pequenas feiras que têm acontecido pontualmente, mas de uma forma coesa e com algum êxito, ainda que ainda "sob o nível do radar crítico", para parafrasear Roger Sabin. Pois nada têm a ver com mostras ou exposições maiores, de grande impacto (ou menor) sobre o público, mas em que a intensidade e liberdade dos trabalhos se dissipa no espectáculo total, e as escolhas vertem sempre sobre uma ideia preconcebida de "trabalho acabado", "publicado" ou "publicável", etc. Aqui, não se trata de manutenções profissionais, mas vontades artísticas puras.
No caso de Carlos Pinheiro, e espero que esta não seja uma informação fora do âmbito crítico nem que seja uma indiscrição, todos estes desenhos foram vendidos. Não será sinal de riqueza material, seguramente (ainda!) mas pelo menos aponta a algum interesse e discernimento da parte de um público determinado.
Acredito, por isso, que se "a fome faz sair o lobo do mato", os lobos certos, ao trabalharem deste modo inusitado e destemido, farão criar eles mesmos num público cada vez maior uma fome de que não sabiam ser capazes. Posted by Picasa

1 comentário:

andré lemos disse...

Touché! meu amigo.